É tarde eu já vou indo...

A porta estará sempre aberta. Caberá a você ousar entrar, espiar, invadir e decidir descobrir o que tem do lado de dentro.
Não posso ser responsável pelas suas impressões, elas serão simplesmente suas.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

A casa da mãe

Foto: alicepguimarães
Bosque do Papa - Curitiba-PR

Tem coisas na vida que por mais simples que sejam, nem de longe se comparam à outras conhecidas. São assim como nossas digitais, são únicas.

A casa da mãe é assim. O lugar certo para você voltar quando sua saída para o mundo não der em nada. Uns dizem que depois que se sai de lá não dá mais para voltar. Pura mentira!

A casa da mãe é o único lugar onde tudo é de todo mundo, menos dela. Você vai embora levando suas roupas e objetos pessoais, mas deixa sempre um chinelo velho de borracha, uma escova de dente usada, o ursinho de quando era criança; alguns discos que não lhe interessam, mas ainda são seus, e um monte de tranqueiras. É meio que um depósito onde suas coisas ficam guardadas para alguma precisão.

Lá, a mãe não é dona de nada. Quando o filho mais velho chega com a família para o almoço de domingo e resolve escutar aquele Ray Charles, a mãe logo diz:

- é melhor não mexer, você sabe que seu irmão não gosta.

E se o neto descobre aquele jogo de panelinhas no fundo do armário, ela replica:

- larga isso menino! São coisas da sua tia que ela guardou para dar de presente quando nascer a primeira filha.

Na casa da mãe, você usa a toalha de banho dela e volta com a sua seca dentro da mala. Você chega na hora do almoço, sem avisar, e sempre tem uma sobrinha pra você. Você leva pra casa o resto do bolo que ela reservou para o café da tarde, com a desculpa de que já está rolando há muito tempo na geladeira.

Quando sua irmã briga com o marido, ela diz:

- eu avisei que isso não ia dar certo...e arremata:
- não sei o que você está fazendo lá que ainda que não veio embora!

Na casa da mãe tem sempre um potinho com uns trocadinhos que ela guarda para comprar o pão, e você os pega para facilitar o troco de sua passagem de ônibus.

O Natal, e também a Páscoa, são sempre obrigatórios passar na casa da mãe. Não que seja só por ela, mas porque na casa da mãe você encontra a ceia pronta e ainda tem a cara de pau de sair sem arrumar a bagunça.

Você também manda na casa da mãe. Escolhe a cor do sofá que ela quer reformar, dá esporro na empregada, determina o que fazer pro almoço, implica com o vizinho dela e sempre carrega alguma coisa que está sobrando por lá, que você diz estar precisando muito.

Na casa da mãe, você lê o jornal e deixa espalhado pelo chão. Não precisa apagar a luz do banheiro; troca o canal da TV assim que chega, fala interurbano e não paga a conta e, ainda por cima, quando vai embora, sempre pede um dinheiro emprestado que nunca devolve. Afinal, dinheiro de mãe não se paga, é de coração.

Depois, na verdade, você nunca quis mudar da casa da mãe e ela, maliciosamente, também nunca quis que você fosse embora.

Mãe sempre tem suas predileções por algum filho, apesar de dizer que amor de mãe é igual pra todos. A verdade, que pra ela, você pode ser ex-tudo: ex-genro, ex-marido, ex-namorado, mas nunca vai ser ex-filho.

A Casa da mãe é uma coisa assim: patrimônio coletivo. Tanto que quando você se refere a ela, sempre diz: lá em casa...

Verdadeiramente, a mãe é a única mulher que você consegue conviver até que a morte os separe. E quando isso acontece, mesmo assim, você briga para ficar com a casa da mãe.

Niterói/RJ, 30/11/2003 Texto sem revisão gramatical

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