
Lapa/PR
Cai à noite. Já passa das seis e meia. Os retalhos de vidro, antes foscos, começam a se colorir um a um como tintas misturadas pelas mãos experientes do mais famoso dos pintores, jogadas em sua paleta para dali retratar sua visão mais íntima da natureza humana.
As luzes se ascendem e deixam mostrar o interior por detrás dos retalhos de vidro. Aos poucos, a grande parede ganha a vida de um mosaico bem definido. Por entre cortinas entreabertas, vidas vividas, tão comuns como a minha.
Do décimo segundo andar vejo a todos em suas doces rotinas. Noites a fio fico a observar cada morador da parede vizinha. Vejo salas decoradas com esmero. Quartos bem cuidados. Em outros, apenas roupas jogadas.
As cortinas se abrem pausadamente, deixando escapar o ar concentrado dos apartamentos fechados.
No décimo segundo andar, bem de frente, duas poltronas de bolas coloridas chamam minha atenção. Altas horas e seu habitante permanece ali sentado; estirado, parece cansado. Assiste a TV como que por hábito, sem a mínima intenção. Mais abaixo, a cozinha se ilumina ocupada pela família do nono andar; reunidos, saciam sua fome voraz do dia.
Em volta da grande mesa antiga, lá pelo sétimo andar, o senhor e a senhora, solitários, degustam em silêncio o grandioso jantar que ela prepara todos os dias, como que para manter viva a família. Nunca saem, mas seu retalho de vidro se ilumina quando, ao cair da tarde, o prédio enfrente inicia a sua rotina.
E assim, cumprem o mesmo ritual acompanhando o tom da vida alheia, tão repleta e tão vazia.
Niterói/2001 - Texto sem revisão gramatical
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